domingo, 7 de dezembro de 2014

Os limites da liberdade

     – Meu filho, você não pode fazer isso. – ralha a mãe.
     – Porque, mamãe? – retruca Luizinho.
     – Seu irmão é pequenino. Não sabe se defender.
     – Mais eu quero brincar com ele...
     – Você pode brincar, mas não assim. Você é maior e precisa cuidar dele. – aconselha a mãe.
     Luizinho olha chateado para o irmãozinho.
     Carolina, em tom baixo e carinhoso, explica para o filho de 5 anos.
     – Lembra que nós vimos no desenho que o cãozinho maior cuidava do cãozinho menor? Então, com você e seu irmãozinho é a mesma coisa.
     Luizinho reage ao tom de voz da mãe e insiste.
     – Mas mamãe, eles brincavam de morder um ao outro, e como o bebê me mordeu, então eu mordi ele também.
     E saiu correndo brincar com seu carrinho.

***

     Um dia, na saída da escola, Carolina surpreende-se ao receber o filho todo sujo. – meu filho, o que foi que aconteceu?
     – Briguei com meu colega – retrucou todo senhor de si.
     – Luizinho, você não pode fazer isso.
     – Posso sim. Eu queria jogar bola e ele queria brincar de esconde–esconde. Ele tem que brincar do que eu quero. – disse Luiz com 10 anos em tom mandão.
     – Não meu filho, você não pode fazer isso. Dessa forma você está invadindo o espaço do seu colega.
     – Eu não. Ontem brincamos de esconde–esconde e hoje era dia de jogar bola... – insiste Luiz de modo natural para ele - temos dias certos para cada brincadeira. Mas ele não quis e acabamos rolando no chão. – finaliza a criança.

***

     Luiz completa seus estudos e inicia um estágio numa grande empresa.
     – Bom dia a todos. Estamos aqui reunidos para dar as boas–vindas ao novo integrante do nosso time: o estagiário Luiz. Ele está aqui para complementar seus estudos e aprender conosco a trabalhar de verdade. Aqui não é a moleza da escola. Aqui ele terá que fazer o que nós mandarmos.
     Risos disfarçados tentaram amedrontar o novato.
     Tadeu, o gestor da equipe se dirige ao estagiário com uma ordem: – Luiz, após a reunião quero que você vá ao décimo andar buscar um suco de laranja para mim.
     Luiz que está em seu primeiro dia mas já conhecia o prédio, estranhou e retrucou:
     – Mas senhor, o prédio não tem apenas nove andares?
     Novos risos disfarçados do grupo. O gestor, sério, leva adiante:
     – Como é que é? Você tem menos de uma hora na empresa e já está querendo saber mais do que seu chefe? Eu mandei você ir até o décimo andar e pronto. Aqui você tem que fazer o que eu mando.
     – Sim, senhor. – respondeu o estagiário solícito, se inclinando para ouvir o que a colega ao lado começava a cochichar.
     – E, Dona Maria, nada de proteção, deixa o rapaz descobrir o caminho sozinho. Afinal, quem pergunta vai à Roma, certo? Reunião encerrada. – completou Tadeu.
     E assim, Luiz começou seu primeiro dia, em meio à gozação do pessoal. No intervalo do café, ele saiu, foi na lanchonete vizinha, comprou o suco de laranja e depois de 15 min voltou na sala do chefe.
     – Senhor Tadeu, aqui está o seu suco. – apresentou sorrindo o pacote que trazia.
     O chefe ficou sem graça e comentou com a voz branda: – Eu estava brincando com você, Luiz. Queria quebrar o gelo de seu primeiro dia aqui. Está certo que tem que fazer mesmo o que eu mandar, mas dentro do racional e lógico, combinado? Não existe décimo andar neste prédio, nem tem suco de laranja, só água e café.
     – O senhor pode ter se enganado com o andar, mas me deu a ordem de buscar o suco. Cabe a mim identificar a melhor maneira de lhe atender e assim eu o fiz. – completou satisfeito o novato.
     – Obrigado. Gostei de sua pro–atividade em buscar meios de atender ao que foi pedido. – Concluiu Tadeu sorrindo e oferecendo sua mão em cumprimento.
     Ponto para o Luiz. Sua mãe ensinou a ser um rapaz independente a enfrentar a diversidade, a seguir regras, e assim ele soube se sair bem em seu primeiro dia de trabalho.
     Quando Luiz chega em casa, encontra sua mãe feliz lhe esperando:
     – E então, meu filho? Como foi seu primeiro dia de trabalho?
     – Foi ótimo mãe. Já na primeira tarefa eu fui elogiado pelo chefe. Mas bem que me deu vontade de bater nele para não brincar comigo daquele jeito. Mas depois eu entendi que era apenas o jeito deles me darem boas–vindas. E agora, se me dá licença, vou namorar.
Luiz sai em busca de seu amor, Luíza, com quem já antevê casado e com filhos. Uma mulher que em tudo lhe apoiará a ter uma carreira de sucesso e uma família feliz.
Conversaram sobre o ocorrido na empresa e sobre os ensinamentos que receberam de seus pais.
     - Meu amor, quando ouvimos “nãos” de nossos pais, ficamos bravos, tolhidos e não nos damos conta de que estão nos mostrando as possibilidades, adversidades, caminhos a trilhar, decisões a serem tomadas, ou seja, estão nos ensinando a viver. – Concluindo Luiz.
     - Sim, querido. Nossos pais nos ensinam a ser livres para fazermos o que desejarmos sem interferir no espaço do outro. A vida nos apresenta muros, pedras, lanças, vendavais, precipícios, mas nós crescemos fortes e prontos para enfrentarmos o que a vida nos colocar.

     E assim, uma nova família se formou e propagou para seus filhos a liberdade de viver feliz, de sonhar, de realizar esses sonhos, de respeitar o próximo, de ajudar a quem precisar, sendo felizes para sempre.

***
     Ao redor da mesa, toda a família entoa a tradicional canção:
     Parabéns pra você / Nesta data querida / Muitas felicidades / Muitos anos de vida! / Vivaaaaaaaa
     Viva o vovô Luiz!!!! Vivaaaaaa
     Luiz, muito sorridente, se inclina para alcançar as oitenta velinhas que foram acesas em cima de um bolo maravilhoso, o seu preferido, sabor prestígio, grande o suficiente para toda a sua família se deliciar deste momento de emoção. Filhos, noras e genros, netos e netas já casados e alguns bisnetos.
     – Vovô! – disse Clarinha, de 5 anos, no colo da mãe – não se esqueça de fazer um pedido.
     – É! – retrucou Marcinha, de 6 anos, outra bisneta – E tem que cortar o bolo de baixo para cima para dar certo o pedido.
     E assim, Luiz fez, atendendo à orientação das bisnetas. 
     – Pronto! A primeira fatia é minha, claro! – risada geral – A segunda fatia é da minha nova namorada e o restante vocês fatiam e distribuem, enquanto saboreio a minha parte.
     – Vovô! O que você desejou? – retoma Clarinha curiosa.
     – Eu desejei que amanhã o céu esteja de um azul brigadeiro para que o filme do meu salto de paraquedas fique legal!
     “O quê?”, “Hã?”, “Endoidou de vez!”, “Xiii caducou...” – familiares reagiram com surpresa à notícia. 
     – Vovô, você não pode. Olha a sua idade! Onde já viu isso? – ralha a neta mais velha, Luíza.
     – NÃO POSSO?!?!?!?! – sua voz firme e grave cala a família que, atenta pela reação, se prepara para ouvir o que viria a seguir.
     – Eu ouvi “Luiz, você não pode” dos meus pais, colegas, chefes, filhos e agora da minha neta! Mas eu vou pular SIM!!!
     Luiz, olha bem à sua volta encarando seus descendentes, levanta a taça de champanhe em brinde e diz:
     – A vida é curta demais e precisa ser vivida!
     Uma salva de palmas e assovios seguiram sua declaração.

                                                             ***
Elianete Vieira

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